quinta-feira, 26 de maio de 2011

A chegada da televisão em Juazeiro e no Cariri - Por Renato Casimiro

No início de janeiro de 1965, numa conversa na Praça Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, entre Luiz Gonçalves Casimiro, comerciante do ramo de material elétrico, e Luiz Ferreira de França, técnico em eletrônica, é que se pensou na possibilidade de trazer para o Cariri as imagens e o som de uma estação de televisão. Os dois trocaram idéias com Hildegardo Belém e Antoni Arrais, e daí surgiu o entusiasmo que os levou a percorrer o comércio e a indústria locais para arrecadar fundos para a compra dos equipamentos.
A primeira experiência foi realizada em casa de Antoni Arrais, então residente no alto do bairro de Fátima, logo no início do Jardim Gonzaga, à margem da rodovia para Barbalha. O local se devia, principalmente pela sua altitude. Durante toda aquela noite, em meados de janeiro de 1965, tentou-se captar algum sinal. O equipamento disponível era um televisor de marca Philips, convencional, de 20 polegadas e uma antena de 12 elementos que ficou há cerca de 10 metros de altura. Esta antena era adequada para o canal 2, pois a primeira impressão era a da captação deste canal, do Recife, a TV  Jornal do Comércio. Esta estação já vinha sendo retransmitida para o interior pernambucano, sendo  Garanhuns o ponto mais próximo de Juazeiro, onde vinha sendo captada. Naquela noite, dia da primeira  experiência, os ânimos somente cederam pela meia-noite quando o grupo desistiu.
No dia seguinte, Luiz Casimiro, tomou seu carro e foi até a oficina de Luiz de França. Combinaram para que, naquela mesma tarde, tomando todo o equipamento usado na noite anterior, fossem  realizar uma nova tentativa em Caririaçu. Já estava escurecendo quando os dois chegaram a manter os primeiros contatos com o prefeito Raimundo Bezerra (Mundeza) e o vigário Padre Vicente Feitosa. A experiência deveria ser montada junto à igreja matriz, em razão da necessidade de   se colocar a antena na torre, ponto mais alto. Com o auxilio de luzes de carros de particulares, todo o local foi bem iluminado e assim foi possível montar o equipamento. Enquanto Luiz Casimiro ajustava a antena, procurando uma melhor posição, na orientação do Recife, Luiz de França, em baixo, ajustava o aparelho. Em dado momento, aparelho ajustado, começaram a ver e a ouvir em boas condições  de sintonia a emissão da TV Jornal do Comércio de Recife, canal 2. Foi uma loucura ! Um aglomerado imenso de curiosos e tantos outros mais iam sendo chamados para presenciar aquele fato inusitado para a cidade de São Pedro. A partir daí, Luiz de França, conhecedor em profundidade de tudo estava se passando, a nível técnico, não teve mais dúvidas de que seria possível remeter para todo o Cariri, a partir daquele ponto, as imagens captadas. O povo estava radiante com a novidade; muitos foram comemorar num boteco próximo. Até o prefeito Mundeza tomou um “porre”. Já eram 22 horas, aproximadamente. A experiência teve de ser interrompida, para insatisfação de todos os presentes. As imagens eram quase perfeitas . Apresentavam um pouco de “chuvisco” que em determinados momentos  aumentavam de intensidade para logo em seguida ocorrer a recuperação do sinal, como se tratasse de uma onda que vem e passa. Acreditou-se a partir daí  que um reforçador de sinal, melhores ajustes e a colocação em definitivo da antena melhorariam a qualidade do sinal recebido. A este grupo entusiasmado juntaram-se logo os então superintendentes  da CELCA (Cia. de Eletricidade do Cariri) e diretor técnico, respectivamente os Drs. Nicodemos Lopes Pereira e Carlos Bertino. Nos três dias que se seguiram a esta bem-sucedida experiência foram realizadas outras que confirmaram as características da recepção inicial. Enquanto os planos  eram articulados pela comissão local, composta por pessoas já referidas, para trazer em definitivo esta imagem  para o Cariri, por retransmissão, Luiz Casimiro deu ciência ao grupo da instalação de uma repetidora em Caruaru, por um técnico de nome Geraldo Aureliano de Barros Correia. Tal equipamento vinha funcionando com enorme sucesso naquela cidade pernambucana. Antoní e Hildegardo, sempre muito entusiasmados, decidiram logo entrar em contato com este técnico. Através de uma troca de correspondência, ficou  estabelecida  a vinda do Geraldo para avaliar pessoalmente as condições locais. Isto foi em maio de 1965.Foi enviada a passagem para que ele  num dos vôos da Varig (DC-3), vindo do Recife, aos sábados. Contudo, somente um mês depois é que veio e foi recebido no aeroporto por Luiz Casimiro, que nos sábados anteriores vinha cumprindo o ritual de ir esperar o “milagreiro”, frustrando suas expectativas. Mas finalmente ali estava o homem. Foi hospedado no Hotel Guarani, de onde  saíram com todo o equipamento para uma verificação em Caririaçu. Em lá chegando, repetiram a experiência e foram feitas medidas de intensidade de sinal. Ficou constatado, com o equipamento que trouxera, que a intensidade era pouco menor que a metade estimada para a zona urbana, dentro do Recife. E por isto, a repetição desde Caririaçu seria precária com ampliação dos “chuviscos”. Apenas tiveram que mudar o local, pois no calor das montagens e desmontagens de equipamentos, várias telhas da igreja foram quebradas e o “seu” vigário não mais permitiu a realização destas experiências. Mudaram-se para o prédio da prefeitura, com o aval do prefeito Mundeza.
            Decidiram procurar uma posição, igualmente previlegiada, nas proximidades de Juazeiro. Já bem próximo, divisaram o Horto que o entusiasmou. A subida pela rua do Horto, com um Gordini apinhado de equipamentos não foi lá muito fácil. Finalmente venceram a subida e reinstalaram a antena. Esta ficou junto ao então cruzeiro que havia próximo da casa do Beato Elias. A medida da intensidade de sinal foi idêntica à encontrada em Caririaçu, o que deixou todos muito entusiasmados. Mas a experiência definitiva somente foi feita no dia seguinte. Como no alto do Horto não havia eletricidade, foi necessário levar um gerador. No dia seguinte, constataram que ali era possível captar com a mesma eficiência que em Caririaçu. As pequenas deficiências seriam sanadas com a repetição e um reforçador do sinal, tipo “booster”, que associado a uma antena “rômbica” seriam capazes de dotar a região de bons sinais.
Na segunda viagem de Geraldo Aureliano a Juazeiro, ainda em junho, as experiências se demoraram por quase 20 dias. Diariamente, no período noturno, era expressiva a multidão de curiosos que acorria ao serrote do Horto para satisfazer a curiosidade. No início de julho, já com o apoio da municipalidade, através do seu prefeito, Cap. Humberto Bezerra, a comissão local recebeu a proposta do técnico que basicamente compreendia o seguinte: primeiro: a instalação da repetidora(a ser adquirida no Rio de Janeiro, da empresa Lys Eletronic), bem como de uma antena rômbica e o reforçador de sinal tipo “booster”; segundo: o raio de ação da repetidora seria de cerca de 35 km, em face da sua orientação, apenas os municípios de Juazeiro, Barbalha e Missão velha seriam beneficiados (para o Crato e outros municípios, em posição lateral, seria necessária a implantação de outra repetidora); terceiro: os trabalhos demandariam 60 dias; quarto: o custo da obra foi orçado em 13 milhões de cruzeiros para os equipamentos e serviços técnicos, e mais 7 milhões de cruzeiros para outras despesas, igualmente necessárias, como serviço de terraplanagem, construção de uma casa para os equipamentos, etc.; quinto: a responsabilidade destas obras de apoio ficaria a cargo da prefeitura. O contrato foi assinado na prefeitura, no dia 7 de julho. Convém salientar que para a instalação da antena “rômbica”, com quatro mastros, em forma de losango, a prefeitura teve que promover mudanças extremamente drásticas na fisionomia do Horto. Citaríamos a retirada de diversas e frondosas mangueiras; a derrubada do velho tambor – árvore que conferia um aspecto inconfundível, visto de várias partes do Cariri; a remoção das últimas ruínas da igreja do Horto, iniciada pelo Padre Cícero, segundo a maquete elaborada por Pedro Coutinho, em flandre, conforme ainda se pode ver no museu do Padre Cícero, em Juazeiro do Norte; a demolição da casa dos milagres – antiga moradia do Beato Elias; a remoção do velho cruzeiro que ficava em frente a capela, e certamente a terraplanagem de toda a área, como se fazia necessário. Não se pode deixar de referir que foi este um duro golpe na memória do Juazeiro e do Padre Cícero, como lembra Luitgarde O. C. Barros, em sua tese de mestrado (PUC,SP,1980–A Terra da Mãe de Deus):  “Era o ataque ao universo do Padre Cícero, não pelas armas como ele temeu até a morte; mas subliminarmente, pelos mecanismos do progresso, pela deculturação de um mundo que luta pela própria preservação, pelo culto de seus santos, pela proteção de seu padrinho”. Quase no final de agosto de 1965, o material adquirido para implantação da repetidora chega a Juazeiro, e é exposto nas vitrines da Loja Simpatia, do Sr. José Gondim Lóssio, um dos entusiastas da idéia. A prefeitura cumpria a sua parte, preparando o terreno; a CELCA se responsabilizara pela energização da área, e fincaria os quatro mastros (postes de cimento armado). O dinheiro para o pagamento de todas as despesas, já referidas, proveio, na sua maior parte, do comércio local, de empresas como Aliança de Ouro, M. Alencar, Feijó de Sá, Centro Elétrico, e muitas outras. A prefeitura contribuiu com uma parte menor. A questão da energia elétrica, pois o Horto até então não dispunha de instalação, foi solucionada com uma linha que nascia desde as proximidades da casa de Manoel Germano, quase no final da rua do Horto, em postes de madeira, por um atalho até o alto. O fio necessário foi cedido gratuitamente pelo Centro Elétrico. Esta rede elétrica terminou sendo, a partir daí, alvo de depredação e roubos, o que por muitas vezes interrompeu a repetição das imagens, deixando muita gente na cidade, furiosa. A primeira previsão de inauguração do sistema era 7 de setembro de 1965, quando outros melhoramentos seriam inaugurados pela municipalidade. Até uma pequena praça deveria ter sido construída no local. O funcionamento em definitivo somente ocorreu em 25 de outubro. Apesar da empolgação de tantos quantos foram até ao Horto, acompanhar as experiências, poucos chegaram a adquirir aparelhos. Seis meses depois de inaugurado o sistema de repetição, estimava-se que por volta de uma centena de residências dispunham de aparelhos. Algumas lojas comerciais deixavam, ao longo da noite, e até ao final da transmissão, aparelhos ligados, em torno dos quais se verificava grande ajuntamento de pessoas. De acordo com a previsão do técnico Geraldo Aureliano, a transmissão se iniciava, no final da tarde, com um sinal ainda precário, e ao longo do período, já por volta de vinte e uma horas, era muito boa. Havia, mesmo assim, bons períodos de aproveitamento. Em determinada fase do ano, como no inverno, a transmissão piorava, no geral. De acordo com entendimento pessoal de Luiz Casimiro com os fabricantes (Lys Eletronic, RJ), não era possível fazer, com o que estava ali instalado, nenhum melhoramento substancial. A longa distância entre Recife e Juazeiro e a ocorrência de serras no percurso reduziam com muita intensidade o sinal emitido. Somente a instalação de uma outra repetidora, intermediária, ou várias, permitiria a melhoria da captação. A programação era do agrado geral e muito interessante em seriados,, filmes de longa-metragem, noticiários e programas de auditório. O sistema tinha um lado crítico: sua manutenção. Os principais componentes, válvulas, várias vezes tiveram que ser substituídos. Isto demandava interrupções nas transmissões por períodos longos, custos adicionais que a própria prefeitura não cobria. Luiz Casimiro ainda guarda hoje várias notas fiscais de aquisições destas válvulas, substituídas, que “por amor à arte” ficaram como “doações”. Este foi o início, outros fatos subsequentes e menores, deixaram de ser relatados. Oportunamente, colheremos novos depoimentos que nos falem ainda da manutenção deste sistema de repetição de imagens e som da TV Jornal do Commércio, e mesmo da sua desativação. Será interessante também falar da constituição da rede de repetidoras de imagem de televisão, a cargo da Companhia Telefônica do Ceará – CITELC -, já que no final dos anos 60, trouxe para o Cariri a imagem de uma estação de Fortaleza – a TV Ceará, Canal 2. Mas isto será outra e longa conversa, finalizou.

Obs.: Este depoimento foi em diversas oportunidades orientado quanto à datas e alguns detalhes pelo consócio Daniel Walker Almeida Marques, cujo trabalho jornalístico, como correspondente de O POVO (Fortaleza), em Juazeiro do Norte, foi muito preciso e substancioso desde o início do ano de 1965. Expressamos, portanto, os nossos agradecimentos por sua colaboração.

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