sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A COMARCA DE JUAZEIRO E A POSSE DO JUIZ JOVÊNCIO SANTANA – Por Fausto da Costa Guimarães

Dr. Jovêncio

Quando em 11 de novembro de 1912 pelo simples pedido do Pe. Cícero ao Dr. Justiniano de Serpa, Presidente do Ceará,  este mandou que a Assembleia restaurasse a Comarca do Juazeiro e assim sucedeu, justamente no dia 11 de novembro de 1922. Nomeado logo após o Dr. Jovêncio Joaquim de Santana para Juiz de Direito, tendo lugar a inauguração da Comarca e posse do primeiro magistrado da Comarca no dia 24 de fevereiro de 1923, no dia de sábado, a uma hora da tarde, tendo no solene ato comparecido a Câmara no lugar de costume, Rua São Pedro, o seu prefeito municipal Pe. Cícero Romão Batista que empossou o referido Juiz de Direito. Presente toda Câmara e mais todas as autoridades estaduais e federais e o Cel. Ernesto Medeiros, comandante do Corpo de Polícia no Crato, representando o Governador do Estado; Cel. Pedro Silvino de Alencar - Prefeito de Araripe; Deputado Estadual Dr. Sebastião Azevedo, de Fortaleza; Vigário da Freguesia, Pe. Manoel Correia de Macedo e grande cortejo da massa popular, inclusive famílias e comerciantes. Declarou o Dr. Juiz de Direito, em palavras repassadas de civismo e patriotismo que estava inaugurada a Comarca e ele, Juiz, empossado. Tomou a palavra o Revmo. Pe. Cícero, pronunciando um discurso substancioso abrangendo todos os pormenores do ato presente em frases variadas e muito significativas e bem elaboradas. O eminentíssimo chefe e prefeito Padre Cícero Romão Batista que a todos emocionou, não esquecendo de falar do civismo másculo do ex-Presidente Dr. Epitácio Pessoa e, como do atual presidente da República Dr. Artur Bernardes, não esquecendo de falar no amigo ausente Dr. Floro que o enalteceu, sendo saudado por uma grande salva de palmas. Tocando na ocasião a banda de música Padre Cícero brilhante dobrado e uma grande girândola de foguetes estourou no espaço, estando o edifício da Comarca bem ornado com o devido estilo, bandeira içada, sendo nesta ocasião inaugurados os retratos do Dr. Epitácio Pessoa, Dr. Artur Bernardes - Presidente da República, Dr. Floro Bartolomeu da Costa - Deputado Federal, ausente, nos trabalhos do Congresso Federal. Usando da palavra o orador oficial, jornalista Dr. Leopoldino Costa Andrade, jornalista da Folha no Rio de Janeiro, que muito de boa vontade cooperou para o brilhantismo da festa em todos os seus detalhes, pronunciando discurso escrito, bem elaborado a respeito do solene ato, trazendo a baila o nome do Dr. Epitácio Pessoa, que muito enalteceu suas qualidades de estadista emérito e criterioso, como do Dr. Artur Bernardes, sincero e competente para o cargo que ocupa de Chefe da Nação, atualmente, e como do Prefeito Municipal Pe. Cícero o que de melhor pode dizer, como do povo e progresso da terra, lembrando-se também do amigo ausente Dr. Floro Bartolomeu que em lisonjeiras palavras, bem o disse. E assim, depois de dissertar o seu magistral discurso findou suas últimas palavras debaixo de uma grande salva de palmas. Aí assomou a tribuna o vigário Macedo que dissertou um belo discurso que muito agradou com suas bem elaboradas frases de sacerdote virtuoso e inteligente ao grande auditório que muito o aplaudiu, e assim por diante outros usaram da palavra com brilhantismo compreendendo bem o dever de oradores que falavam no momento, muitas palmas e vivas ecoavam no grande salão do cerimonial. Conservando-se o dia restante em festa seguida pela noite em casa do Dr. Floro Bartolomeu onde o distinto Juiz Dr. Jovêncio Joaquim de Santana se achava hospedado e mais amigos, e presente o Revmo. Pe. Cícero que a todos confortava com a sua presença de justo. Ali postada a banda de música em suas harmoniosas tocatas bem significava o Juazeiro em festa, do maior regozijo de um povo livre e independente. Teve lugar em casa do mesmo Dr. Floro um lauto jantar às 5 horas da tarde do que todos os circunstantes serviram-se, oferecido pelo Revmo. Pe. Cícero Romão Batista. Foram oferecidos exemplares do livro "Sertão a Dentro" pelo autor Dr. Leopoldino Costa Andrade, do Rio de Janeiro. Obra de algum valor para o Juazeiro defendendo o Revmo. Pe. Cícero das acusações injustas que os inimigos gratuitos faziam com o mais descaro, nas conversações pelos jornais do Rio de Janeiro. Foi desfeita essa maledicência caluniosa com o "Sertão a Dentro". Parabéns ao Sr. Costa Andrade, jornalista da "Folha" no Rio de Janeiro, jornalista inteligente. Ainda o cerimonial da posse do Juiz de Direito: tirada uma comissão de pessoas da primeira classe, acompanhada da banda de música, saímos da casa da Câmara, fomos ver em casa do Dr. Floro Bartolomeu da Costa o Dr. Juiz de Direito e o Revmo. Pe. Cícero Romão Batista, Prefeito Municipal distinto Dr. Jovêncio de Santana, o Juiz, o primeiro magistrado da Comarca, então acompanhadas as duas autoridades por grande número de amigos e admiradores e a banda de música Pe. Cícero, chegamos ao salão da Câmara, com as honras de estilo foram recebidos Juiz e Prefeito pelo corpo municipal, autoridades locais e muitos cavalheiros e senhoritas, sendo recebidos por grande salva de palmas, sendo oferecida a cadeira de honra ao Revmo. Pe. Cícero, o que recusou-se a princípio, porém, depois aceitou, continuando a leitura da ata da inauguração da Comarca e posse do íntegro Dr. Juiz de Direito, tudo com as formalidades do estilo. Depois lida em altas vozes, foi assinada pelas autoridades competentes que ali se achavam. Depois do ato solene foi servido todo auditório por uma cerveja regularmente distribuída.
Eis, em resumo, todo conteúdo da inauguração da Comarca e posse do Juiz de Direito, no dia 24 de fevereiro de 1923. Na inauguração da Comarca, na fala que fez a respeito do ato, o Revmo. Pe. Cícero Romão Batista falando sobre o Juazeiro disse com segurança que o Juazeiro continha 56 ruas, com 30 mil habitantes, contendo em todo município 50 mil almas, e assim concluiu seu belo discurso deixando em todo auditório a mais grata impressão.
(Extraído do livro Memórias de um romeiro, Fausto da Costa Guimarães)

BIOGRAFIA DE DR. JUVÊNCIO

Juvêncio Joaquim de Santana -Bacharel em Direito, Juiz de Direito e Desembargador. Filho do Coronel Antônio Joaquim de Santana (chefe político do município de Missão Velha) e Josefa Maria de Jesus, nasceu no dia 19 de janeiro de 1888, no Sítio Serra dos Matos, município de Missão Velha, Ceará. Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais em 17 de dezembro de 1912, pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco. Nomeado aos 13 de janeiro de 1923, Juiz de Direito da Comarca de Juazeiro, da qual afastou-se do cargo, para assumir a Secretaria do Interior e Justiça, no Governo do Dr. José Moreira da Rocha. Juvêncio Santana na década de 20 foi professor do Colégio 24 de Abril, de Jardim, Ceará, fundado pelo Dr. Francisco de Lima Botelho, em 1916, tendo funcionado por sete anos. Lecionou Geografia, História e História Natural. Juvêncio Santana casou-se com a jardinense Beatriz Barreto Gondim, filha do casal José Caminha de Anchieta Gondim (de alcunha Coronel Daudeth) e de Maria Barreto Gondim. A cerimônia aconteceu no dia 27 de janeiro de 1916, em Jardim. Não tiveram filhos. Adotaram como filhos, Ancilon Aires de Alencar (Promotor de Justiça, radicado em São Paulo, Capital) e Terezinha Gondim Medeiros, ambos sobrinhos da D. Beatriz. Dr. Juvêncio era amigo incondicional e afilhado de crisma do Padre Cícero. Foi eleito Deputado Estadual em 1928. Por vários anos despendeu esforços pela prosperidade de Juazeiro e pelo benefício de seus habitantes; muito respeitado e estimado por todos, desempenhou sua missão com integridade de caráter. A 1.° de agosto de 1940, o Dr. Juvêncio foi mais uma vez nomeado Juiz de Direito de Juazeiro do Norte, permanecendo no cargo, até o dia 08 de setembro de 1957, quando veio a falecer, em Juazeiro do Norte, e encontra-se sepultado no túmulo da Beata Mocinha, no cemitério do Perpétuo Socorro, da referida cidade. Terminou sua brilhante carreira de Magistrado, ocupando o elevado cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Foi o Desembargador Juvêncio Joaquim de Santana, um dos juízes mais cultos do Estado do Ceará. Homem de envergadura moral ilibada, político de bastante prestígio, autoritário, porém de fino trato, enfim, uma das figuras mais importantes da história de Juazeiro do Norte. (Extraído do livro Dados biográficos dos homenageados em logradouros públicos de Juazeiro do Norte, de Raimundo Araújo e Mário Bem Filho)

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Centenário da assinatura do Pacto dos Coronéis



Centenário do Pacto dos Coronéis
Daniel Walker

No dia 4 de outubro de 1911, portanto há cem anos, o recém-criado município de Juazeiro foi sede de dois grandes eventos políticos: a posse de Padre Cícero Romão Batista no cargo de Prefeito  (ou Intendente como se chamava na época) e a realização de uma assembleia ou sessão política para assinatura de um controvertido documento que passou à história com o nome de Pacto dos coronéis. O referido documento também foi chamado de Pacto de paz, Pacto de harmonia política, Aliança política, Conferência política, Pacto de Haya-mirim e ainda Artigos de fé política, denominação esta creditada ao Padre Cícero.
Abaixo é feita a transcrição da histórica ata do evento que culminou com a assinatura dos chefes políticos do Cariri  e em seguida emitimos alguns comentários pertinentes ao assunto que é um dos mais polêmicos e importantes da história de Juazeiro e do Ceará.

PACTO DOS CORONÉIS
Aos quatro dias do mês de outubro do ano de mil novecentos e onze, nesta vila de Juazeiro do Padre Cícero, município do mesmo nome, Estado do Ceará, no paço da Câmara Municipal, compareceram à uma hora da tarde os seguintes chefes políticos: coronel Antônio Joaquim de Santana, chefe do município de Missão Velha; coronel Antônio Luís Alves Pequeno, chefe do município do Crato; reverendo Padre Cícero Romão Batista, chefe do município do Juazeiro; coronel Pedro Silvino de Alencar, chefe do município de Araripe; coronel Romão Pereira Filgueiras Sampaio, chefe do município de Jardim; coronel Roque Pereira de Alencar, chefe do município de Santana do Cariri; coronel Antônio Mendes Bezerra, chefe do município de Assaré; coronel Antônio Correia Lima, chefe do município de Várzea Alegre; coronel Raimundo Bento de Sousa Baleco, chefe do município de Campos Sales; reverendo padre Augusto Barbosa de Menezes, chefe do município de S. Pedro do Cariri; coronel Cândido Ribeiro Campos, chefe do município de Aurora; coronel Domingos Leite Furtado, chefe do município de Milagres, representado pelos ilustres cidadãos, coronel Manuel Furtado de Figueiredo e major José Inácio de Sousa; coronel Raimundo Cardoso dos Santos, chefe do município de Porteiras, representado pelo reverendo Padre Cícero Romão Batista; coronel Gustavo Augusto de Lima, chefe do município de Lavras da Mangabeira, representado por seu filho João Augusto de Lima; coronel João Raimundo de Macedo, chefe do município de Barbalha, representado por seu filho major José Raimundo de Macedo e pelo juiz de direito daquela comarca, doutor Arnulfo Lins e Silva; coronel Joaquim Fernandes de Oliveira, chefe do município de Quixará, representado pelo ilustre cidadão major José Alves Pimentel; e o coronel  Inácio de Lucena, chefe do município de Brejo Santo, representado pelo coronel Antônio Joaquim de Santana. A convite deste que, assumindo a presidência da magna sessão, logo deixou, ocupando-a o reverendo Padre Cícero Romão Batista para em seu nome declarar o motivo que aqui os reunia. Ocupada a presidência pelo reverendo Padre Cícero, fora chamado o major Pedro da Costa Nogueira, tabelião e escrivão da cidade de Milagres, que também se achava presente. Declarou o presidente que aceitando a honrosa incumbência confiada pelo seu prezado e prestigioso amigo coronel Antônio Joaquim de Santana, chefe de Missão Velha e traduzindo os sentimentos altamente patrióticos do egrégio chefe político, Excelentíssimo Senhor Doutor Antônio Pinto Nogueira Accioly, que sentia dalma as discórdias existentes entre alguns chefes políticos desta zona, propunha que, para desaparecer por completo esta hostilidade pessoal, se estabelecesse definitivamente uma solidariedade política entre todos, a bem da organização do partido os adversários se reconciliassem, e ao mesmo tempo lavrassem todos um pacto de harmonia política. Disse mais que para que ficasse gravado este grande feito na consciência de todos e de cada um de per si, apresentava e submetia à discussão e aprovação subseqüente os seguintes artigos de fé política:
Art. 1º - Nenhum chefe político protegerá criminoso do seu município nem dará apoio nem guarida aos dos municípios vizinhos, devendo ao contrário, ajudar a captura destes, de acordo com a moral e o direito.
Art. 2º - Nenhum chefe procurará depor outro chefe, seja qual for a hipótese.
Art. 3º - Havendo em qualquer dos municípios reações, ou mesmo, tentativas contra o chefe oficialmente reconhecido com o fim de depô-lo, ou de desprestigiá-lo, nenhum dos chefes dos outros municípios intervirá nem consentirá que os seus municípios intervenham ajudando direta ou indiretamente os autores da reação.
Art. 4º - Em casos tais só poderá intervir por ordem do governo para manter o chefe e nunca para depor.
Art. 5º - Toda e qualquer contrariedade ou desinteligência entre os chefes presentes será resolvida amigavelmente por um acordo, mas nunca por um acordo de tal ordem, cujo resultado seja deposição, a perda de autoridade ou de autonomia de um deles.
Art. 6º - E nessa hipótese, quando não puderem resolver pelo fato de igualdade de votos de duas opiniões, ouvir-se-á o governo, cuja ordem e decisão será respeitada e restritamente obedecida.
Art. 7º - Cada chefe, a bem da ordem e da moral política, terminará por completo a proteção a cangaceiros, não podendo protegê-los e nem consentir que os seus munícipes, seja sob que pretexto for, os protejam dando-lhes guarida e apoio.
Art. 8º - Manterão todos os chefes políticos aqui presentes inquebrantável solidariedade não só pessoal  como política, de modo que haja harmonia de vistas entre todos, sendo em qualquer emergência “um por todos e todos por um”, salvo em caso de desvio da disciplina partidária, quando algum dos chefes entenda de colocar-se contra a opinião do chefe do partido, o Excelentíssimo Doutor Antônio Pinto Nogueira Accioly: Nessa última hipótese cumpre ouvirem e cumprirem as ordens do governo e secundarem-no nos seus esforços para manter intacta a disciplina partidária.
Art. 9º - Manterão todos os chefes incondicional solidariedade com o Excelentíssimo Doutor Antônio Pinto Nogueira Accioly, nosso honrado chefe, e como políticos disciplinados obedecerão incondicionalmente suas ordens e determinações.
Submetidos a votos, foram todos os referidos artigos aprovados, propondo unanimemente todos que ficassem logo em vigor desde essa ocasião.
Depois de aprovados, o Padre Cícero levantando-se declarou que sendo de alto alcance o pacto estabelecido, propunha que fosse lavrado no Livro de Atas desta municipalidade todo o ocorrido, para por todos os chefes ser assinado, e que se extraísse uma cópia da referida ata para ser registrada nos Livros das municipalidades vizinhas, bem como para ser remetida ao doutor presidente do Estado, que deverá ficar ciente de todas as resoluções tomadas, o que foi feito por aprovação de todos e por todos assinado.
Eu, Pedro da Costa Nogueira, secretário, a escrevi.
Assinam:
Padre Cícero Romão Batista
Antônio Luís Alves Pequeno
Antônio Joaquim de Santana
Pedro Silvino de Alencar 
Romão Pereira Filgueiras Sampaio
Roque Pereira de Alencar
Antônio Mendes Bezerra
Antônio Correia Lima
Raimundo Bento de Sousa Baleco
Padre Augusto Barbosa de Menezes
Cândido Ribeiro Campos
Manoel Furtado de Figueiredo
José Inácio de Sousa
João Augusto de Lima
Arnulfo Lins e Silva
José Raimundo de Macedo
José Alves Pimentel


Comentários
- “O receio era o de que a reunião acabasse em tiro. Nunca se viram – nem jamais se voltaria a ver – tantos coronéis sertanejos assim reunidos em um mesmo lugar, como naquele 4 de outubro de 1911, em Juazeiro, o dia da posse do Padre Cícero na prefeitura. Lá fora, as ruas estavam enfeitadas de bandeirinhas de papel e a banda do mestre Pelúsio de Macedo fazia a festa. No interior da casa que sediou a solenidade oficial, os dezesseis homens vestidos em roupa de domingo foram recebidos com chuvas de flores e papel picado. Mas não escondiam de ninguém, que ruminavam uma coleção de rancores mútuos. Praticamente todos os chefes políticos do Cariri – incluindo o coronel Antônio Luís – haviam acatado o chamado do sacerdote para tão insólito conclave que marcaria seu primeiro dia como prefeito. Quando Padre Cícero levantou da mesa ao final daquela histórica reunião e passou a colher a assinatura de todos, os coronéis do Cariri já  tinham tomado consciência de que, diante da nova situação, precisavam eleger um chefe imediato entre eles. Esse chefe não seria, necessariamente, Accioly. Carecia ser alguém que estivesse mais perto deles e que, a despeito das diferenças e dos ódios pessoais que os separavam, fosse um homem cuja palavra seria acatada sem ressalvas. Os coronéis precisavam de um líder político no Cariri. Naquela tarde, esse líder se revelara naturalmente – e já tinha um nome. O nome dele, ninguém se atreveria a discordar, era Padre Cícero”. Assim, Lira Neto descreveu em seu livro Padre Cícero, poder, fé e guerra no sertão a reunião em que foi assinado o Pacto dos Coronéis.
- Durante muito tempo se especulou a respeito de quem concebeu a ideia do polêmico documento. Os estudiosos chegaram a apontar os seguintes nomes: Padre Cícero, Dr. Floro Bartolomeu da Costa, coronel Antônio Luís Alves Pequeno, coronel Antônio Pinto Nogueira Accioly (Presidente do Ceará) e até mesmo o juiz de Barbalha, Dr. Arnulfo Lima e Silva.
- Entretanto, num dos artigos da série “Formal desmentido” publicada por Dr. Floro Bartolomeu, no jornal Unitário, de Fortaleza, de 9 a 17 de junho de 1915,  ele escreveu: “Determinado o dia 11 de outubro do mesmo ano de 1911 para a inauguração da vila e estando mui acirrados os ódios dos chefes do Cariri, especialmente os de Lavras, Aurora, Milagres, Missão Velha, Barbalha e Brejo dos Santos, contra os do Crato e os de Porteiras, lembrei ao Padre Cícero a necessidade de estabelecer-se a harmonia entre todos.  Para isso conseguir, a todos convidamos, de acordo com o Dr. Nogueira Accioly, para no dia 4 de outubro estabelecermos um pacto de paz entre todos os chefes inimizados.”
- Em seu livro Império do bacamarte o escritor Joaryvar Macedo disse: “Seja quem for o autor do pacto, é lícito admitir, ou mesmo acreditar nas suas retas intenções. Não parece justo considerá-lo uma farsa em sua gênese, como querem alguns. O acordo, na sua realidade, transformou-se numa pantomima, porque inexeqüível, pelo menos em parte dos seus artigos. Homens, na sua maioria despóticos, vezeiros em dominar pelo poder do bacamarte, achavam-se absolutamente despreparados para assumir compromissos de tal ordem. De outro ângulo, deixar de proteger facínoras e cangaceiros equivaleria a decretar a extinção do coronelismo. Um dos seus mais fortes esteios era precisamente o banditismo”.

- Diz ainda Joaryvar: “O texto da ata da singular Assembleia dos coronéis sul-cearenses, na qual se firmou o curioso pacto, reflete a posição proeminente do Padre Cícero na contextura coronelítica regional. Manifesta ademais, que, naquela conjuntura, a jeito trabalhada e preparada, o levita, além de assumir a chefia local, investia-se, concomitantemente, no comando político da região”.

- Otacílio Anselmo na volumosa obra Padre Cícero, mito e realidade, diz que na reunião em que Padre Cícero foi empossado como primeiro Prefeito de Juazeiro, o juiz de Barbalha, Dr. Arnulfo Lins e Silva “aproveitou o ensejo para inspirar e, sob o patrocínio do Padre Cícero, promover um convênio entre os numerosos chefes municipais ali reunidos, no sentido de estabelecer um clima de paz e assegurar a tranqüilidade das populações caririenses, até então em pânico permanente por conflitos armados resultantes de velhos ódios entre grupos e famílias irreconciliáveis, transmitidos de geração em geração e que ainda hoje subsistem.”

- Assim como Joaryvar Macedo, Otacílio Anselmo também acha que “apesar da boa intenção do seu idealizador, o pacto seria inexeqüível num meio em que a lei vigente era a do mais forte e onde as questões, mesmo as mais simples, resolviam-se ao sabor da vontade soberana de velhos sobas apegados a seus interesses econômicos e as suas ambições políticas”.

- Edmar Morel parece querer atribuir a ideia do pacto dos coronéis ao Padre Cícero, pois em sua obra Padre Cícero, o santo do Juazeiro ele assim escreveu: “O Padre querendo firmar o seu prestígio junto à oligarquia dos Acciolys, que já governavam o Ceará há vinte anos, em dois períodos, e ao mesmo tempo pôr em prova se ainda seria hostilizado pelos políticos, seus vizinhos, como no caso das minas do Coxá, levanta a ideia da realização de um convênio, no Juazeiro, com a participação de todos os senhores feudais, senhores de cangaceiros e senhores de eleitores”. O autor conclui tachando o pacto como “uma página da história do banditismo no Nordeste, um pacto de honra assinado pelos maiores e mais respeitáveis coronéis que infelicitaram os sertões do Brasil, atirando homens contra homens e transmitindo o ódio e a sede de vingança de geração em geração. Uma página celebérrima do cangaceirismo no Brasil”.

- Na mesma linha segue Amália Xavier de Oliveira, quando em seu livro O Padre Cícero que eu conheci, escreveu: Foi o Padre Cícero quem programou, para o dia de sua posse, uma reunião com os chefes políticos da região a fim de assinarem um pacto de amizade e apoio mútuo tendo como um dos objetivos evitar movimentos que perturbassem a ordem na região caririense, procurando resolver as questões que surgissem, sem contendas prejudiciais, ao desenvolvimento das comunas”. E concluiu Amália Xavier de Oliveira: “Para fazer apresentação dos artigos o coronel Santana passou a Presidência (da reunião) ao Rev. Pe. Cícero, que explicou, aos presentes, a razão por que se fazia, naquele momento, um pacto de amizade e auxílio mútuo, com aquele programa de orientação”. Esta passagem, inclusive, está registrada na ata do pacto transcrita no início deste capítulo.

- Para o escritor Rui Facó, na sua famosa obra Cangaceiros e fanáticos, “o pacto era na verdade um sinal de debilidade, um prenúncio de decadência do coronel tradicional, do potentado do interior, outrora senhor absoluto de seu feudo e em disputa constante com os feudos vizinhos. Sua maneira de pensar fora sempre esta: todos lhe deviam render vassalagem!”.

- Já Irineu Pinheiro, autor de Efemérides do Cariri, os coronéis presentes à reunião em Juazeiro assinaram de comum acordo “um pacto de amizade e apoio mútuo com o fim de extinguir a proteção aos criminosos, evitar movimentos que perturbassem a vida das comunas caririenses, buscando resolver as questões que surgissem entre chefes vizinhos!”.

- A imprensa cearense deu vasta cobertura à reunião que culminou com a assinatura do pacto. Nada, contudo, se compara ao que estampou o jornal O Correio do Cariri, da cidade do Crato que após extensa matéria concluiu assim: “Podem os nossos leitores avaliar das boas intenções daqueles que, esquecendo antigos ressentimentos, se congraçaram, para, cumprindo santos deveres sociais, rasgarem um novo horizonte mais amplo e mais claro, aos públicos negócios desta opulenta e próspera parte de nosso Estado”.

- Mas para o historiador americano Ralph della Cava, autor de Milagre em Joaseiro, os coronéis do Cariri “contentes com a vitória obtida sobre Antônio Luís e desejosos de impedir que o Juazeiro viesse a dominar a região lançaram na famosa reunião a proclamação do hoje famoso Pacto dos Coronéis”. E conclui della Cava: “Finalmente, com o objetivo de fazer vigorar o pacto e garantir a participação da região na divisão do espólio político do poder estadual, comprometiam-se todos os delegados (presentes à reunião), a manter “incondicional” solidariedade com o excelentíssimo doutor Antônio Pinto  Nogueira Accioly, seu honrado chefe, e como políticos disciplinados obedecer incondicionalmente suas ordens e  determinações”.

- No final das contas, o certo mesmo é que o pacto falhou fragorosamente no conteúdo dos seus dois últimos artigos, pois cerca de pouco mais de três meses após a sua assinatura o presidente Accioly é apeado do poder, constituindo-se no mais duro golpe para os chefes políticos Acciolynos do Ceará.

- O baque do velho cacique da política cearense trouxe de roldão também o baque de muitos coronéis do Cariri, seus correligionários, mas, consoante acentua Joaryvar Macedo “a partir daí, começariam os caciques sul-cearenses, com desmedido empenho, a preparar uma sublevação, no sentido de retornarem ao poder supremo dos seus redutos eleitorais. E voltaram todos, com a vitória da rebelião de Juazeiro, de 1913 para 1914, - uma sedição dos coronéis”.

- À reunião para assinatura do Pacto duas importantes forças políticas do Cariri não marcaram presença nem mandaram representantes: coronel Basílio Gomes da Silva, de Brejo Santo, e coronel Napoleão Franco da Cruz Neves, de Jardim, pois ambos já haviam rompido com Accioly. Contudo, outros chefes políticos destes municípios estavam presentes.

- Por ser dono de várias propriedades rurais (embora tenha deixado tudo para a Igreja) e poder para decidir uma eleição, Padre Cícero é considerado por muitos escritores como tendo sido um coronel. Mas a pecha de coronel, no sentido como o termo é usado e entendido no Nordeste, não se coaduna com o comportamento e a personalidade do Padre Cícero. Ninguém conhece registro da existência de armas em sua residência ou de capangas a sua disposição, coisas muito comuns aos coronéis de que fala a literatura.
           
- Sobre isso nada mais esclarecedor do que o depoimento do historiador Marcelo Camurça, como está no seu livro Marretas, molambudos e rabelistas: “No meu modo de ver o Padre Cícero se relacionou com as oligarquias, transitou na sociedade política, se compôs com os setores dominantes, tanto pela sua condição de sacerdote letrado, um intelectual tradicional, e esta condição o estimulava qual outros padres no Império e na República a ter uma projeção social, quanto pela vontade de ajudar o seu povo, de levar adiante o seu projeto de manter de pé a comunidade do Juazeiro, pela via da conciliação tão marcante na sua visão de mundo. Porém, o Padre Cícero nunca abriu mão de sua identidade sacra, do seu papel de guia religioso, de líder espiritual, para se tornar um político profissional, tampouco abriu mão da mística do "milagre" e de sua visão messiânica, simbólica do catolicismo popular, daquele primeiro sonho que teve quando Cristo encarregou-o de cuidar do Juazeiro e de seu povo. Este sem dúvida não é o perfil de um "Coronel" latifundiário ou de um político das classes dominantes. Um "Coronel" apesar da camaradagem e da articulação do compadrio com seus agregados nunca teve com seu povo um relacionamento tão intenso e profundo; no campo ideológico: como os vínculos do catolicismo popular, da "Santidade"; no campo político e social: como os conselhos dados pelo Padre nos seus "sermões" onde forjou uma ética sertaneja do bem viver; no campo econômico: onde regulou e organizou a produção e o emprego”.
         
- Posicionamento semelhante foi adotado pelo historiador Régis Lopes em seu livro Caldeirão, quando afirma categoricamente: “Padre Cícero alia-se aos coronéis, mas não se torna um deles. Suas atitudes são de apadrinhamento, de um protetor dos desclassificados, de um conselheiro e não de um político ou coronel”.
                                                   MEMÓRIA FOTOGRÁFICA
Tela da artista plástica juazeirense Assunção Gonçalves mostrando sua concepção sobre a sessão solene  na qual foi assinado o Pacto dos coronéis pelos chefes políticos do Cariri.
 














NOTA DO EDITOR: Leia neste blog na página de POLÍTICA este texto em nova edição mais atual revista e aumentada.